À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


domingo, 19 de dezembro de 2021

Bruxas

Filho, você já ouviu certamente muitas histórias de bruxas. Em uma boa parte delas, essas mulheres são apresentadas com narigões e verrugas, chapéus e são as vilãs das tramas. Absolutamente não é esse o papel que elas têm na História do mundo nem que devem ter na sua vida.



Os homens sempre tivemos medo de mulheres fortes, decididas, independentes. As subjugamos pela força física, as julgamos por nossas réguas tortas - muitas vezes em nome de um deus conveniente que criamos. Tudo para tentar calar seus olhares, sua conexão com a Natureza, sua cumplicidade com a Vida, sua dança com a Sexualidade, seu acesso ao Divino. Lhes recusamos as cátedras escolares, lhes negamos o direito ao voto, naturalizamos tentar rebaixá-las na sociedade, isso quando não as violentamos em nossa estrutura de poder, seja psicológica e fisicamente, retirando-lhes direitos quando não dignidade. Tudo isso por sede de poder e temor.

Após séculos e séculos - que ainda não acabaram - de absurdos desmandos machistas, nada conseguimos. Pelo contrário: delas continuamos nascendo, a elas nos ligamos, nos apaixonamos. As belezas da vida natural lhes sorriem espontaneamente a todo instante; o instinto maternal que só elas possuem permanece sendo o amor mais próximo do de Deus - e para desespero dos auto conclamados sacerdotes e religiosos homens, das igrejas que as alijam de suas hostes.

Basta que lhes demos um mínimo de espaço nas nossas comunidades para que sejamos invadidos por sua presença, sua leveza, sua sedução: na família, no trabalho, na orientação social. Resistir é não só inútil, é contraproducente.

As mulheres de verdade, conscientes, presentes, empoderadas, autônomas, que acessam o divino, o natural e o humano com a facilidade de um pássaro que pousa e voa à vontade, não precisam ser temidas - precisam ser respeitadas, acolhidas e amadas.

É muito mais simples à alma pequena, mesquinha, acomodada ou simplesmente má taxá-las de bruxas, histéricas ou outro título depreciativo qualquer. Mas é típico dos homens de verdade construir com elas, ao lado delas, com apoio e respeito mútuos, um mundo melhor, mais livre, mais igual.

Se uma dessas "bruxas" cruzar seu caminho, pisando forte na sua vida, não fuja, traga-a para dentro, sorria, mostre reverência por sua história e respeito por sua pessoa. Ela te trará motivos inúmeros para uma existência colorida, rica, enérgica, intensa e, por isso mesmo, feliz.


terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Religião e Ética estão em eixos ortogonais

Meu filho, muitos - em especial, os religiosos - tentarão fazer você crer que seu caminho religioso é sinônimo de ética. Não é. Religião e Ética são caminhos independentes - em Matemática, dizemos que estão em eixos ortogonais, que não interferem um no outro. Pode-se ser religioso e ético, religioso e antiético, não-religioso e ético ou não-religioso e antiético.



  • Ética é assunto de caráter. Religião, de convicção.
  • Ética é fazer o que é certo. Religião é fazer o em que se crê.
  • Ética diz respeito a princípios. Religião, a doutrina.
  • Ética se liga a valores. Religião, a dogmas.
  • Ética promove o bem comum. Religião, a iluminação/salvação individual.
  • Ética busca o próximo. Religião, a(s) divindade(s).
  • Ética é universal. Religião é restrita a um grupo.
  • Ética constrói o ser social. Religião, o transcendente.

A Ética não pode se sustentar na Religião: "sou ético porque sou (...)". Se alguém é assim, se a ética de alguém depende de um conjunto de crenças religiosas, essa pessoa não é ética, ela é apenas religiosa - e uma religiosa perigosa, teleguiada, potencialmente destrutiva. Cuidado!

Ética e Religião podem ter objetivos convergentes? Podem, por exemplo: construção de um ser melhor, mais feliz, mais integrado com o mundo, com a humanidade e o futuro. Mas - atenção - também podem ter incompatibilidades. Sempre que você encontrar, entre a Ética e a Religião, pontos conflitantes, siga a Ética sem pestanejar.

Você pode ter a religião que quiser - ou nenhuma. Quem ditará isso é o seu desejo, sua simpatia, sua busca espiritual. Mas Ética você precisa ter. Sempre.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Você voltou no tempo! - Aproveite!

Meu filho, provavelmente você, por mais de uma vez, já se pegou pensando, uma fração de segundo depois que algo aconteceu: "Se eu pudesse voltar só um pouquinho, faria de outro jeito", não é?


Uma palavra que saiu torta.
Um descuido que feriu.
Uma reação que magoou.
Um pensamento que aprisionou.
Uma oportunidade perdida.
Uma desatenção que custou caro.

E se você conseguisse voltar aquele segundinho - só aquele - e fazer diferente? A boa notícia: você consegue!

O hoje é exatamente o segundinho antes do amanhã. É fácil: imagine que daqui a pouquinho você faria algo e que você conseguiu voltar no tempo para hoje - mas não se lembra. Logo antes de fazer algo pequeno que vai ter consequências, pense: "eu já fiz isso e voltei no tempo". Vai fazer errado de novo?

Observe que estar vivo, meu filho, é a oportunidade de fazer diferente agora seu futuro daqui a pouco. Você hoje é o futuro que voltou e que você pode reconstruir. Não perca a chance. Aproveite.

domingo, 14 de novembro de 2021

Al Capone e a Delinquência Coerente

Meu filho, em 1931, o gângster estadunidense Alphonse Capone, conhecido como Al Capone, foi condenado a 11 anos de prisão por ... sonegação fiscal, depois de muito anos as autoridades tentando, sem sucesso, prendê-lo por contrabando, homicídios, tráfico e toda sorte de contravenções. Por quê?


Eu percebi, por experiência própria e também por resultados de segurança pública, que normalmente os desvios em geral, e, em especial, a delinquência é coerente. O que isso significa? Trago alguns itens ilustrativos abaixo, mas peço que tenha cuidado: não faça a associação inversa.

  • Que um assassino provavelmente também maltratará animais;
  • Que um ladrão de banco com muita chance também sonegará imposto;
  • Que um ditador presumivelmente será desrespeitoso numa reunião de condomínio;
  • Que um corrupto quase seguramente também usará produtos piratas;
  • Que um agressor doméstico presumivelmente contará piadas racistas ou sexistas;
  • Que um sociopata recorrentemente furará sinal vermelho e estacionará em local proibido;
  • Que um negacionista normalmente será também um mau profissional.

E por que isso acontece? Porque nossa ações estão ligadas a nossos valores, humanos, sociais ou éticos. Não é possível - a não ser em casos patológicos graves - sermos duas pessoas diferentes no trânsito ou em grandes crimes.

E não é algo síncrono: os malfeitos "menores" normalmente são o caminho dos "maiores", do mesmo gênero. Por isso alguns países fizeram testes bem-sucedidos em aumentar o rigor das punições mais brandes e, com isso, viram cair significativamente os crimes mais danosos e brutais.

No seu dia-a-dia, filho, preste atenção nos detalhes - em si próprio e nos que te cercam. Em si, procure ser correto desde as pequenas coisas. Nos outros, procure não nutrir proximidade com quem, no pouco, demonstra comportamento delinquente consciente, sem arrependimento, em coisas aparentemente sem importância - pode ser que a Vida esteja te alertando de algo muito maior e mais perigoso.

terça-feira, 3 de março de 2020

3 lições de ouro nos debates

Meu filho, a vida lhe trará pessoas que lhe dirão coisas importantes e úteis. Dentre eles, haverá alguns mestres, que te ensinarão coisas transformadoras. Reúno aqui 3 lições dos meus mestres quando você estiver envolvido em um debate para sua reflexão.


  1. OFENSA: se você ofender alguém, mesmo sem querer, peça desculpas imediatamente e no mesmo fórum da ofensa. E faça isso de forma objetiva e direta, sem condicionantes ou grandes complementos. Se sua ação trouxe algum prejuízo, procure saná-lo com igual presteza. Se você não ofendeu ninguém, não há necessidade de desculpas - não as use levianamente.
  2. ARGUMENTO: se, num debate, alguém apresentar um argumento melhor do que o seu, que te convença de algo diferente do que você defendia, agradeça e diga claramente que mudou de opinião graças à força do argumento contrário. Faça isso de forma igualmente sucinta. E se alguém fizer isso contigo, cabe a você jamais passar qualquer lição de moral ou capitalizar em cima daquela vitória de pensamento. Um bom debate sempre enriquece a todos.
  3. AFLIÇÃO: não aflija o aflito. Neste momento em uma discussão, qualquer palavra é inútil se seu interlocutor adentrou o perigoso campo da reação emocional. Não importa mais o argumento certo ou o errado. Deixe claro que você adiará o debate para outro momento e exponha o motivo, de forma curta e genérica. Se for você a perder a linha racional, silencie imediatamente. As coisas ditas sob o calor da emoção podem ser relativizadas, mas continuam sendo coisas ditas, com todas as suas consequências e toda a responsabilidade que isso traz.

Você verá, meu amor, que a aplicação desses princípios não só trará mais conhecimento, mas mais sabedoria a você para lidar com o ser humano e aproveitar de forma útil as ideias e sua diversidade.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Clareira

Filho, nas florestas mais densas do mundo divisam-se de forma muito fácil as clareiras - espaços onde as árvores faltam. Ao entrar nelas, você está, ao mesmo tempo, dentro e fora da mata. Valorize-as.


Quando, na vida, acostumado a andar pelos bosques fechados, você se deparar com uma clareira, pare, observe, curta. Ela pode parecer ameaçadora sem a proteção das árvores a que você se acostumou. Há tempo de proteção e há tempo de risco. Só sabe andar firme sob as árvores quem sabe que não depende delas.

Olhe para cima, veja o Sol; olhe para baixo, veja as flores; feche os olhos, sinta o vento diferente. Tudo na clareira é livre.

Reconheça, na vida, os diferentes solos em que sua estrada o fará pisar. Quando seus caminhos o levarem a uma clareira, não se esqueça de que não é a clareira que está aprisionada entre as árvores, nem são as árvores que tentam destruir a clareira: elas são uma só e a mesma coisa. São duas faces da mesma moeda.

E retome sua estrada pela floresta.

terça-feira, 18 de junho de 2019

A vista da resultância ampla

Meu filho querido, tudo tem um preço, toda ação gera efeitos.

Alguns resultados são visíveis, imediatos e óbvios: a imensa maioria das pessoas - mesmo as mais ignorantes ou embrutecidas - conseguem percebê-los. Proporcional à facilidade com que se mostram é sua profundidade, importância e duração: são fugidios, efêmeros, para o bem ou para o mal. Pessoas de menor atenção ou capacidade - cognitiva, emocional ou moral - tendem a se manter neles e se guiar por eles. Vivem, assim, erráticos, superficiais, sendo cavalos da vida ou se dizendo vítimas dela. Num jogo de dominó, enxergam apenas a próxima peça - e só quando esta recebe o choque da que caiu.


Outros efeitos são menos óbvios, mas ainda previsíveis para uma inteligência mediana. Um pouco de vivência poderá adivinhá-los com certa exatidão, mesmo que não seja possível ao vidente desse gênero de efeito vislumbrar as consequências das consequências. Se o primeiro é um cego, este é um míope. Limitar sua vista a estas reações é suficiente para uma vida medíocre, para um âmbito particular, sem grandes aspirações. No dominó, vê linhas retas, mesmo longas, mas sem interseções e curvas.

Por fim, existe a visão expandida. Embora a desenvoltura intelectiva e o equilíbrio emocional ajudem, aqui conta mais a alma não obliterada por preconceitos ou personalismos. Quanto mais você estiver preso às próprias forças inferiores, seja no nível racional, emotivo ou moral, menos você estará livre para adquirir a vista da resultância ampla.

Ao contrário dos outros níveis, este se expande em 3 dimensões:
  • Eixo sagital-racional: para frente e para trás, na visão de consequências e de causas de curto, médio e longo prazos;
  • Eixo transversal-emocional: para os lados, saindo apenas de si próprio, entendendo o impacto sintônico entre vários seres que convivem, influenciando e sendo influenciados;
  • Eixo longitudinal-consciencial: consequência ética para o ser interno, que eleva ou que o faz submergir eticamente, no plano de sua consciência própria.

Tudo o que se faz tem consequências. Vê-las em todas as suas dimensões é fundamental; agir nelas para consertar erros é desejável; viver de modo que elas não destruam o mundo ao seu redor é sábio. Veja o todo, aja na parte.

E não se esqueça: por trás de todo dominó que você empurra está, no fim da fila, você mesmo.